Contribuinte conseguiu mudar jurisprudência com novo critério de desempate no tribunal adminitrativo
Por Beatriz Olivon, Valor — Brasília
O contribuinte conseguiu, com o voto de desempate, reverter a jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre permuta de imóveis. A Câmara Superior, última instância do órgão, decidiu que esse tipo de operação, comum no mercado imobiliário, não deve ser tributada.
Prevaleceu, depois de um empate na 1ª Turma, o entendimento a favor do contribuinte, com base no novo critério de desempate estabelecido pela legislação no ano passado. Os conselheiros entenderam que apartamentos dados em troca de um terreno, por exemplo, não podem compor a receita bruta de uma empresa no lucro presumido — no caso de não haver alguma diferença de valor.
“O próprio conceito de permuta, de existência milenar, exprime um negócio de troca, que na sua própria natureza depreende-se equivalência e neutralidade econômica”, diz o conselheiro Caio Cesar Nader Quintella, representante dos contribuintes, que foi o redator do voto vencedor. O acórdão foi publicado no dia 21.
O caso julgado é da Verticali Construções e Incorporações, que conseguiu reverter derrota sofrida na primeira instância do Carf. Na autuação fiscal, a Receita cobrava Imposto de Renda (IRPJ) referente ao período de 2001 a 2003.
A fiscalização alegava, no processo, que constatou sonegação de informações, pelo fato de a empresa ter deixado de escriturar a venda de unidades imobiliárias, e fraudes reiteradas, por meio de contratos particulares ou escrituras públicas de compra e venda de valores inferiores aos realmente praticados (processo nº 11080.001020/2005- 94).
A jurisprudência, até então, era favorável à Fazenda Nacional, mesmo com precedente da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) contrário à tributação de permutas (REsp 1733 560). Naquele caso, o relator, ministro Herman Benjamin, apontou a inexistência de comprovação de lucro da empresa.
Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que a decisão inverteu a jurisprudência e que não há muitos processos no Carf sobre a matéria, que diz respeito à aplicação do regime previsto na Instrução Normativa SRF nº 107, de 1988 para as empresas imobiliárias optantes pelo lucro presumido.
De acordo com Thais Veiga Shingai, do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, como a permuta presume troca de bens, a Receita Federal, inicialmente, com a edição da instrução, previa que não haveria lucro tributável. Porém, com o avanço da prática no mercado, passou a entender que a norma de 1988 não valeria para empresas no lucro presumido — apenas para as do lucro real. “Com base no voto de qualidade, o Carf decidia da mesma forma que a Receita”, diz.
Com a jurisprudência desfavorável, segundo Bruno Sigaud, do escritório Sigaud Advogados, muitas empresas autuadas optavam por discutir a questão diretamente na esfera judicial, onde há precedentes a favor. “A permuta é uma prática comum que, durante a crise, auxiliou as construtoras a conseguirem terrenos”, afirma.
O julgamento sobre permuta de imóveis é apenas um exemplo do que pode ocorrer no Carf com o fim do voto de qualidade — o desempate pelo presidente da turma julgadora, que é representante da Fazenda. A PGFN teme que o novo modelo adotado, que dá a vitória automática ao contribuinte, mude jurisprudências importantes da Câmara Superior.
A mudança ocorreu por meio da Lei nº 13.988, de 2020, que alterou o artigo 19-E da Lei nº 10.522, de 2002. A redação dada ao dispositivo, no entanto, acabou dando margem para diferentes interpretações.
O dispositivo libera do voto de qualidade o “processo administrativo de determinação e exigência de crédito tributário”. O Carf, nos seus julgamentos, tem afirmado que o texto envolveria apenas uma parcela dos processos julgados.
No entendimento do órgão somente os decorrentes de autos de infração — deixando de lado casos processuais, sobre responsabilidade solidária e embargos de declaração. Na Portaria nº 260, de julho de 2020, o Ministério da Economia referenda a posição do tribunal administrativo.
No ano passado, o novo modelo foi pouco utilizado. Um dos motivos seria o fato de não terem sido analisados pelo Carf casos de maior valor, que envolvem as principais teses. Levantamento mostra que, em 2020, houve unanimidade em 91,22% dos julgamentos, ante 81,47% em 2019. O voto de qualidade foi aplicado em 1,94% dos casos e o desempate a favor do contribuinte em 0,14%. Em 2019, o voto de qualidade foi adotado em 5,27% dos julgamentos.
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