Contribuinte teme derrota em recurso da Fazenda sobre exclusão do ICMS

Relatora destaca importância dos embargos ao negar pedido de parte no processo

Por Joice Bacelo

Uma nova movimentação no processo que trata da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins — a chamada tese do século — deixou os contribuintes preocupados. A ministra Cármen Lúcia, relatora do caso, negou um pedido da Imcopa, a empresa que é parte na ação, para utilizar o crédito tributário decorrente desse processo. Ela disse que não poderia liberar a quantia antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrar o caso.

A conclusão depende do julgamento dos embargos de declaração que foram apresentados pela União em 2017. No mês de março vai completar quatro anos que os ministros decidiram pela exclusão do ICMS da conta das contribuições. Não há nenhuma perspectiva, no entanto, para o julgamento do recurso.

A demora para resolver o caso acaba abrindo espaço para especulações. A resposta da ministra Cármen Lúcia à Imcopa, por exemplo, provocou certo alvoroço porque ela replica, em um trecho, a argumentação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) de que “os embargos questionam relevantes questões sobre o mérito do julgamento”.

Advogados temem que a ministra esteja tratando como possível uma alteração do resultado que foi proferido em 2017. Cármen Lúcia, naquela ocasião, votou a favor dos contribuintes. O placar ficou em seis a quatro. Só que a composição do STF mudou de lá para cá.

O ministro Alexandre de Moraes não participou do julgamento. Tomou posse uma semana depois. Celso de Mello, que havia acompanhado a relatora, foi substituído no ano passado por Nunes Marques. E, se o julgamento não ocorrer neste semestre, o ministro Marco Aurélio, que em 2017 também votou de forma favorável ao contribuinte, não participará. Ele completará 75 anos no mês de julho e se aposentará.

Com todas essas mudanças, dizem os advogados, os contribuintes acabam perdendo a referência. Três ministros são suficientes para alterar o resultado — considerando o placar apertado de 2017.

“Tem muita gente com medo. Mas é preciso lembrar que o Supremo vai julgar em sede de embargos de declaração. O mérito, a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins, já está definido”, pondera o advogado Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon.

Existem duas preocupações principais em relação aos embargos. Uma delas é a possibilidade de os ministros decidirem pela modulação de efeitos, o que impediria a aplicação da decisão para o passado. A outra diz respeito a um pedido da Fazenda Nacional para que os ministros esclareçam qual ICMS deve ser excluído — o que consta na nota fiscal, mais favorável ao contribuinte, ou o efetivamente recolhido.

A União tenta, com essas duas questões, reduzir o impacto da decisão nas contas públicas. Na época do julgamento, afirmou que as perdas poderiam ser de mais de R$ 200 bilhões, considerando os valores a serem devolvidos. Agora, a perda anual de arrecadação a partir da conclusão do caso está estimada pela área econômica em R$ 47 bilhões.

O tributarista Rafael Nichele, do escritório Nichele Advogados Associados, entende não haver motivo para alvoroço. Pelo menos em relação à decisão proferida, agora, pela ministra Cármen Lúcia. Ele não ficou com a impressão de que possa ter sido um sinal do que ocorrerá no julgamento dos embargos.

“É preciso separar as coisas”, ele diz, entendendo que ao replicar a argumentação da Fazenda Nacional, a ministra estaria apenas complementando a sua decisão. O argumento principal, afirma, está no Código Tributário Nacional (CTN). O artigo 170-A proíbe a compensação mediante o aproveitamento de tributo que está sendo discutido na Justiça antes do trânsito em julgado.

Muitas empresas estão conseguindo utilizar os créditos decorrentes da exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins porque os seus processos tramitam em instâncias inferiores e estão sendo encerrados. A Imcopa, dizem os advogados, “tem o azar” de o seu processo ser o leading case, o que está em julgamento no STF. Isso a faz ficar presa aos embargos de declaração.

“Iniciado o julgamento de mérito, impõe-se a respectiva conclusão observadas as normas de regência, sob pena de burla à análise colegiada e definitiva da controvérsia”, disse Cármen Lúcia ao rejeitar o pedido da Imcopa.

A PGFN apresentou pedido à ministra para que as ações sobre esse tema ficassem suspensas em todo o país até o encerramento do caso. Mas, até hoje, ela não deu uma resposta e os processos continuam em tramitação.

Existe uma questão, no entanto, que assombra mesmo aqueles contribuintes que têm ações encerradas e obtiveram o direito de usar os créditos: uma possível ação rescisória. Esse é um dos poucos instrumentos da legislação brasileira que permite às partes tentarem reverter uma decisão já transitada em julgado.

Se o STF, nos embargos, der razão ao posicionamento da União e a PGFN se utilizar da rescisória, no entanto, haverá uma nova longa batalha no Judiciário. O advogado Tiago Conde, por exemplo, entende que a medida não seria cabível a esse caso. “Não há motivo. Estamos falando de uma matéria que é controvertida e não houve alteração de jurisprudência. Esses são alguns dos requisitos para que não caiba a rescisória”, diz.

O advogado chama a atenção, por outro lado, que existem dois recursos pendentes de julgamento no STF (RE 949297 e RE 955227) que podem respingar no caso do ICMS. São chamados de “processos da coisa julgada”. Os ministros vão decidir se é necessária ação rescisória ou se há quebra automática do trânsito em julgado nos casos em que há mudança de jurisprudência relacionada aos tributos que são pagos de forma continuada.

Esses casos envolvem a CSLL. Os ministros consideraram o tributo constitucional nos anos 90, mas, antes do julgamento, alguns contribuintes obtiveram decisões finais garantindo o direito de não pagar. A União defende que, nesse caso, não precisaria sequer de ação rescisória.

Trazendo para a discussão do PIS e da Cofins, por exemplo, aqueles contribuintes que obtiveram decisão para excluir o ICMS da nota fiscal — que gera maior redução de tributos — automaticamente perderiam esse direito se o STF, nos embargos, decidir que o imposto a ser excluído é o recolhido. O RE 949297 e RE 955227 chegaram a ser pautados no ano passado, mas não foram julgados.

Conde não acredita, no entanto, que os ministros vão entrar na discussão sobre qual ICMS deve ser excluído do cálculo. “Foi um tema trazido nos embargos. Nunca antes, nos autos, havia demonstração de dúvida em relação a isso”, diz. O tributarista Luís Augusto Gomes, sócio do Silva Gomes Advogados, também acredita que os ministros não tratarão desse ponto. “É questão infraconstitucional.”

O escritório que representa a Imcopa foi procurado pelo Valor, mas não deu retorno. No pedido feito à ministra Cármen Lúcia, a empresa afirma que se encontra em recuperação judicial, com poucos recursos financeiros e diversas dificuldades operacionais. O pedido era para que fosse suspensa a exigibilidade dos débitos relativos ao PIS e a Cofins não cumulativos até que houvesse o trânsito em julgado do processo.

A PGFN, em nota, diz que a decisão da ministra, rejeitando o pedido da Imcopa, “guarda absoluta coerência com a orientação que o STF vem reiteradamente adotando no sentido de que a resolução de casos concretos envolvendo o tema deve aguardar o julgamento dos embargos de declaração”.

 

Fonte: Valor

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