Problemas no sistema da Receita Federal têm dificultado a vida das empresas que precisam de certidão de regularidade fiscal. Há cerca de dois meses, a exigibilidade do tributo não é mais automaticamente suspensa com a apresentação de defesa administrativa contra autuação fiscal. E nem o chat ou a ouvidoria virtual – que substituíram na pandemia o balcão das unidades de atendimento do órgão – estão resolvendo a questão.
Sem a informação que libera a emissão da certidão fiscal, alguns contribuintes são obrigados a recorrer ao Judiciário. O documento é essencial para a participação em licitações, obtenção de empréstimos e a comprovação de conformidade (compliance) para parceiros de negócios, especialmente os estrangeiros.
A Receita controla as cobranças dos contribuintes que estão suspensas com lupa. Conforme o mais recente levantamento (junho de 2020), o total de créditos ativos no país é de R$ 1,87 trilhão. Desses, 60,6% está com exigibilidade suspensa por processo administrativo, o que equivale a R$ 1,13 trilhão – R$ 1,09 trilhão referentes a pessoas jurídicas. A maioria desses créditos é relativa a IRPJ (31,8%), seguido de Cofins (14,7%) e CSLL (12,9%).
Do total de créditos suspensos por processos administrativos, segundo os dados da Receita, 55,05% envolvem contribuintes do Estado de São Paulo e 18,46% do Rio de Janeiro. A maioria refere-se a indústrias de transformação, empresas de atividades financeiras/seguros e de comércio ou reparação de veículos. Juntas, somam R$ 800 bilhões.
Como determina o Código Tributário Nacional (CTN), entre as hipóteses que suspendem a exigibilidade do crédito estão “as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo” (inciso III do artigo 151). A defesa administrativa é um dos tipos de recurso.
Segundo o tributarista Rafael Vega, do Cascione Pulino Boulos Advogados, a defesa administrativa é importante porque suspende a exigibilidade sem a empresa precisar apresentar garantia do valor em discussão, como é exigido na Justiça. “Agora, quando a empresa abre o extrato on-line, vê a dívida tributária ainda em aberto. Com isso, não consegue tirar a certidão de regularidade fiscal”, diz.
Ao menos dois clientes do escritório já foram prejudicados por causa do problema. Um operador portuário do Rio de Janeiro, afirma, sofreu autuação, em dezembro, de R$ 200 milhões, protocolou a defesa, mas o débito permanece na chamada conta corrente da Receita. “Como essa empresa é alavancada, periodicamente precisa apresentar comprovante de regularidade fiscal para mostrar aos bancos que é saneada. Algumas semanas sem a exigibilidade suspensa e a empresa já fica de cabelo em pé.”
Uma outra empresa, do ramo de autopeças, de Guarulhos (SP), passa pela mesma espera em relação a uma cobrança tributária de aproximadamente R$ 30 milhões, de acordo com o advogado. “Pelo chat da Receita, criado para o contribuinte não ter que ir até uma unidade, dizem que não podem fazer nada a respeito e encaminham o caso para a ouvidoria. De lá, vem a resposta por e-mail de que a questão será analisada, mas sem dar prazo”, afirma Vega.
No escritório TozziniFreire Advogados, a situação não é diferente. Pelo menos dois clientes sofrem com o mesmo problema. “Um deles é uma indústria com oito processos administrativos apresentados, que somam R$ 1,5 milhão. O outro é uma empresa de serviços de tecnologia que discute uma autuação fiscal de cerca de R$ 7 milhões”, diz o tributarista e sócio da banca Jerry Levers.
Na prática, a indefinição aumenta o peso tributário e dificulta o compliance das empresas, segundo Levers. “Além de ter que arcar com o custo da discussão administrativa, há um custo adicional para controle das certidões porque, em geral, é difícil operar sem o documento”, afirma. “Ainda mais em época de pandemia, quando cada real conta”, completa o advogado.
A advogada Daniella Zagari, sócia do Machado Meyer, diz que o problema não é novo, já havia ocorrido no passado e, agora, com a pandemia, parece que se intensificou. De acordo com ela, não é incomum a empresa ter que entrar com mandado de segurança na Justiça para conseguir a certidão de regularidade fiscal por causa de falsas pendências que aparecem no sistema da Receita. “O grande problema é o timing porque a certidão pode ser exigida da empresa imediatamente”, afirma.
Daniella lembra ainda que, mesmo dentro do procedimento on-line de renovação do documento, às vezes aparecem como débito em aberto diferenças de valores de tributos em relação aos inseridos na Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF), antes mesmo de ser aplicada autuação fiscal. “Assim, a Receita sempre transfere ao contribuinte o dever de esclarecer que não há pendência, como se ele sempre estivesse com a faca no pescoço”, diz.
Por meio de nota, a Receita Federal informa que o procedimento de instrução processual e registro nos sistemas requer intervenção manual e, a depender do volume de demandas, pode não ser imediato. “Não obstante, a Administração Tributária possui, por lei, o prazo de dez dias para expedir certidão; prazo este sempre cumprido pela Receita Federal”, afirma.
Assim, se a certidão de regularidade fiscal da empresa está para vencer, a orientação dos advogados é para que faça um pedido comprovando diretamente, por meio do sistema e-CAC da Receita Federal, que a defesa administrativa já foi protocolada. O prazo de validade de cada certidão é de 180 dias.
A Receita, segundo informa na nota, vem evoluindo os seus sistemas para ampliar a automatização. “O sistema e-Defesa, por exemplo, permite a elaboração padronizada de defesas contra notificações de lançamento decorrentes de malha fiscal de Imposto de Renda de Pessoa Física”, diz. “E em conjunto com o Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais], está sendo implantada uma evolução do sistema e-Processo, que possibilitará indicar as alegações do contribuinte em recursos juntados a processos”, acrescenta.
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