Para bancar correção da faixa isenta do Imposto de Renda da pessoa física, equipe econômica de Bolsonaro eleva carga sobre lucro corporativo
Por Fernando Torres — De São Paulo
Se é verdade que os preços das ações refletem a expectativa sobre os lucros futuros das companhias, faz sentido que o Ibovespa tenha caído na sexta-feira.
O projeto de lei (PL) de reforma tributária, apresentado na sexta-feira, aumenta de forma sensível a mordida do Estado sobre o lucro corporativo, antes de ele chegar ao bolso do investidor. Não só pela tributação dos dividendos em 20%, mas também pelo fim dos juros sobre capital próprio.
Talvez até as ações devessem ter caído mais. Mas, como se trata apenas de um PL enviado ao Congresso, os investidores ainda não colocaram nos preços dos papéis todo o efeito potencial das mudanças, dado que é preciso ponderar o impacto das medidas pela probabilidade de um governo enfraquecido conseguir aprová-las – lembrando que algumas delas são bastante impopulares para apoiadores de primeira hora de Jair Bolsonaro, como empresários, agentes do mercado e a classe média.
É claro que o projeto também traz benesses, mas essas são fáceis de aprovar – e o risco, do ponto de vista fiscal, é que apenas elas passem no Congresso.
Para quantificar a mudança, pense que as grandes empresas não financeiras estão sujeitas hoje a uma alíquota nominal de 34% de tributos sobre o lucro, sendo 25% de IRPJ e 9% de CSLL. Para os bancos, a mordida é de 45%.
Essa cunha total é elevada para os padrões internacionais, e era apontada por muitos como o motivo para a rara opção nacional pela isenção da tributação dos dividendos – existente apenas na Estônia entre os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Os defensores da política dizem que é mais prático cobrar o tributo numa fase única, de centenas ou milhares de grandes empresas, do que em duas fases, o que agrega a complexidade de controlar os dividendos distribuídos a milhões de beneficiários (e as várias páginas que o PL dedica a tentar evitar a distribuição disfarçada de lucros é uma evidência do problema).
Mas, para além da experiência internacional mostrando que é sim possível trabalhar com as duas fases, há estudos que apontam que tributar o dividendo eleva o poder distributivo.
Para trocar um sistema de fase única pelo de fase dupla, porém, o governo precisaria fazer uma escolha política e decidir se manteria a carga imposta às empresas e seus acionistas, ou a arrecadação em caixa. E a equipe de Paulo Guedes optou pela segunda opção. Com uma pitada de pimenta.
Vamos aos números. Pela regra atual, num exemplo didático, para cada R$ 100 que uma empresa tem de lucro, R$ 34 devem ser recolhidos como IRPJ e CSLL (veja detalhes na tabela). Com as regras propostas na sexta-feira, o tamanho da cunha subiria para R$ 45 em 2022, e cairia para R$ 43 a partir de 2023.
Isso se explica porque o IRPJ está sendo reduzido em apenas 5 pontos percentuais, em duas parcelas anuais, com a tributação nominal caindo a 29%.
A conta acima da carga fiscal total de 43%, porém, mostra o efeito econômico das novas alíquotas propostas, dado que esse seria o peso quando o lucro fosse de fato distribuído no tempo.
Mas as empresas não distribuem 100% do lucro (já que parte do resultado é reinvestido no negócio e potencialmente vira ganho de capital, passando a ser tributado em 15%), e o governo sabe disso. Com medo de ter perda muito grande de arrecadação, inclusive eventualmente motivada pelo pagamento menor de proventos pela tributação, o governo calibrou as alíquotas para tentar não perder arrecadação no curto prazo.
Quando se pensa na distribuição de 25% do lucro como dividendo, que é o mínimo que a maioria das grandes empresas prevê em seus estatutos no Brasil, a alíquota combinada da tributação em duas etapas fica perto de 35% em 2022 e cai a 32,6% a partir de 2023 – próximo dos atuais 34%.
Pareceria menos pesado, a não ser por um motivo — e aí vem a pimenta —, que é o fim do benefício de dedução fiscal quando o lucro é distribuído a título de juros sobre capital próprio. Esse instrumento foi criado na época da extinção da tributação sobre dividendos e do fim da correção monetária de balanços, em 1995, e servia (informalmente) como uma maneira de evitar que as empresas pagassem tributo sobre uma parcela do incremento de capital que apenas corrigisse seu patrimônio líquido — no caso, pela TJLP.
Esse instrumento reduz hoje em muito a alíquota efetiva de tributos sobre o lucro especialmente de grandes companhias da bolsa. Ou seja, embora na teoria a tributação sobre o lucro das empresas seja hoje de 34%, na prática, ela fica bem abaixo disso, mais na casa de 22%, em grande parte por causa do JCP.
Compilando dados de Vale, Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil, Santander, Ambev, Telefônica, B3, BTG Pactual, Copel, Hypera, Cteep, Neoenergia, Engie e Lojas Americanas, que foram as 15 empresas abertas que mais pagaram JCP em 2020, é possível estimar que pagariam R$ 15 bilhões a mais em tributos sobre o lucro (com impacto fiscal líquido de R$ 9 bilhões, dado que quem recebe JCP paga 15%).
O efeito das medidas propostas sobre o lucro corporativo é portanto duplo: a alíquota efetiva tenderá a crescer para perto da nominal, que agora será de 29%, e ser acrescida do impacto dos 20% sobre os dividendos.
Para base de comparação, desde a reforma de Trump as empresas americanas pagam 21% e o dividendo regular é isento até US$ 40 mil e tributado depois em alíquotas progressivas de 15% a 20%.
A conta poderia ter sido outra – e o IRPJ caído mais —, caso o governo não tivesse optado por corrigir a faixa de isenção da tabela de IR da pessoa física para R$ 2,5 mil, na tentativa de atender a uma promessa de campanha, embora distante do compromisso de Bolsonaro de que isentaria quem ganhasse até cinco salários mínimos.
A benesse prometida para o IR da pessoa física, porém, é limitada, dado que o governo quer permitir o desconto de 20% da renda bruta de quem faz declaração simplificada só para quem ganha menos de R$ 40 mil. Na prática, mesmo com a correção da tabela, quem ganha mais de R$ 3,5 mil por mês pode vir a pagar mais IR do que hoje se não tiver despesas dedutíveis para declarar.
A única medida bem vista por quase todos foi o fim da tabela regressiva para aplicações de renda fixa, que estariam sujeitas a taxação de 15%, independentemente do prazo. A medida certamente traz simplicidade, mas pode ter impacto no encurtamento do prazo médio da dívida pública.
Já o bode na sala parece ser a tributação dos rendimentos pagos pelos fundos imobiliários e do recém criado Fiagro (com direito a derrubada de veto). Embora defensável do ponto de vista distributivo, fica difícil justificar por que tributar os dois produtos se as aplicações análogas via renda fixa em LCI, LCA, CRI e CRA seguiriam isentas (esta versão corrige informação anterior de que o Fiagro teria escapado da mudança na reforma).
Fonte: Valor
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