Indicado ao Supremo é contra tributo sobre tributo

Por Joice Bacelo e Beatriz Olivon, Valor — Brasília

Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para substituir Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF), Kassio Nunes Marques, se confirmado para a vaga, poderá se aliar às empresas em uma das discussões mais importantes na esfera fiscal: a incidência de tributo sobre tributo. Como desembargador, no Tribunal Regional Federal da (TRF) 1ª Região, ele tem julgado o tema de forma favorável ao contribuinte. 

Há pelo menos três decisões recentes sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins — a chamada “tese do século”, em que estão em jogo cerca de R$ 250 bilhões. O STF decidiu, em março de 2017, que o imposto deve ser retirado do cálculo, mas essa discussão não está encerrada. Faltam os embargos de declaração que foram apresentados pela União. 

Kassio Nunes Marques, nos três casos, posiciona-se sobre um dos pontos cruciais desses embargos: o ICMS a ser excluído. O que consta na nota fiscal, como defendem os contribuintes, ou o efetivamente recolhido, geralmente menor, como entende a Receita Federal? A resposta dada por ele favorece as empresas. 

Para o desembargador, o STF não deixou dúvidas. “Expressamente se manifestou sobre a parcela do ICMS passível de exclusão da base de cálculo do PIS e da Cofins, consignando que nenhum valor que ingresse na contabilidade da pessoa jurídica a título de ICMS integra o faturamento, independentemente do montante que seja efetivamente recolhido ao Estado”, afirma em decisão de 28 de julho (processo nº 1001167-14.2016.4.01.3200). 

As outras duas decisões têm fundamentação idêntica. Ambas são do mês de junho — uma do dia 2 e a outra do 25 (processos nº 1000319-66.2018.4.01.3811 e nº 1017258-93.2018.4.01.3400). Os três casos foram relatados por Kassio Nunes Marques e tiveram votação unânime na 7ª Turma do TRF. 

O candidato à vaga de Celso de Mello também tem posicionamento favorável ao contribuinte nas chamadas “teses filhotes”, que se originaram da exclusão do ICMS. Os ministros do STF, ao julgarem o tema, entenderam que o imposto pertence ao Estado e, por esse motivo, não poderia ser considerado como parte da receita da empresa — montante que serve de base para a tributação. 

Os contribuintes, a partir de então, passaram a defender que a mesma tese tem de ser aplicada a outros tributos. Kassio Nunes Marques tem decisões favoráveis às empresas em duas delas: a da exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da Cofins e a da retirada do ICMS do cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB). 

Essas duas teses estão em julgamento no Supremo. A que trata da CPRB (RE 1187264) foi incluída na pauta do Plenário Virtual no mês passado. O julgamento já tinha seis votos — três contra e três a favor — quando o ministro Dias Toffoli pediu vista. Não há ainda uma data para a retomada do julgamento. 

A situação é semelhante no caso da exclusão do ISS (RE 592616). Começou a ser julgado no Plenário Virtual, mas foi interrompido por um pedido de vista de Toffoli. O relator do processo é o ministro Celso de Mello, que votou a favor da retirada do imposto do cálculo das contribuições. Há, por enquanto, somente o posicionamento dele. 

Como já há o voto de Celso de Mello, Kassio Nunes Marques, se confirmado, em tese, não poderia se posicionar. Mas se houver pedido de destaque — quando um ministro pede para levar a discussão ao plenário físico —, o julgamento volta à estaca zero e, neste caso, Marques assumiria a relatoria e teria de proferir um novo voto.

No caso da CPRB é diferente. Celso de Mello não se posicionou ainda sobre o tema. Se o desembargador assumir a vaga, então, terá que proferir voto quando o caso for novamente colocado em pauta. 

Ele julgou pelo menos dois processos sobre CPRB no TRF, recentemente, de forma favorável ao contribuinte (nº 1008032-62.2017.4.01.3800 e nº 1005036- 57.2018.4.01.3400). O desembargador replicou um julgamento da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em que ficou definido que os valores de ICMS não integram o cálculo da contribuição (Resp 1638772).

O posicionamento referente à exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da Cofins, também favorável ao contribuinte, se deu em um dos processos que tratava sobre o ICMS — na discussão destacado versus recolhido. O contribuinte apresentou ação para discutir os dois temas. 

“As empresas prestadoras de serviço são tributadas pelo ISS, imposto municipal que, assim como o ICMS (imposto estadual), está embutido no preço dos serviços praticados. Dessa forma, o raciocínio adotado para a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins é cabível para excluir o ISS”, afirma o desembargador na decisão (processo nº 1001167-14.2016.4.01.3200). 

O levantamento sobre esse histórico de casos relatados por Kassio Nunes Marques no TRF foi feito pelos advogados Leonel Pitzzer, Ariel Möller e Rachel Delvecchio. “Não significa que ele repetirá o entendimento no STF, mas, imagina-se, haverá alguma coerência entre o que ele decidiu ontem e o que decidirá amanhã”, diz Pittzer. 

A confirmação de Kassio Nunes Marques para a vaga de Celso de Mello depende da aprovação do Senado. A sabatina está marcada para quarta-feira na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no mesmo dia deverá ocorrer a votação no plenário. A aprovação depende da maioria absoluta — metade mais um. 

Se confirmado, o desembargador poderá ocupar o espaço deixado por Teori Zavascki, segundo advogados. O ministro, que morreu em janeiro de 2017, era referência em direito tributário. Kassio Nunes Marques tem formação nesta área. “O desembargador será o fiel da balança”, diz Breno Vasconcelos, sócio do Mannrich e Vasconcelos Advogados. 

Ele recorda que a decisão de excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, em março de 2017, se deu por um placar apertado: seis votos a quatro. A composição não estava completa. Alexandre de Moraes, o substituto de Teori, tomou posse uma semana depois.

O julgamento dos embargos poderá ter a participação de até três ministros diferentes. Além de Alexandre de Moraes, tem a saída de Celso de Mello e, a depender da data, de Marco Aurélio — ele se aposenta em julho do ano que vem. Celso de Mello e Marco Aurélio, em 2017, haviam votado pela exclusão do ICMS.

Alexandre de Moraes tem votado de forma mais favorável à Fazenda. Isso, por si só, sem levar em conta as mudanças nas vagas de Celso de Mello e Marco Aurélio, já poderia provocar um empate nos próximos julgamentos, diz Breno Vasconcelos.

Se os processos forem colocados em pauta antes da saída de Marco Aurélio e todos os ministros mantiverem seus posicionamentos, caberá a Kassio Nunes Marques o desempate. Esse é um dos motivos para o histórico dele ter tanta importância. 

“Se mantiver a coerência dos casos em que foi relator no TRF — e nada indica que não vá manter —, ele deverá votar a favor dos contribuintes nas teses filhotes e no destacado na nota”, afirma Vasconcelos.

Fonte: Valor

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