Alexandre Wider: há chances de a decisão de primeira instância não prevalecer
Usual no transporte marítimo de mercadorias, a taxa de sobre-estadia (cobrada pelo armador quando há atraso na entrega do contêiner) só tem validade se estiver especificada em contrato. Esse foi o entendimento do juiz Claudio Teixeira Villar, da 2ª Vara Cível de Santos, em São Paulo, ao negar um pedido de cobrança da Hapag-Lloyd, uma das maiores do setor no mundo.
A empresa, segundo consta no processo, não havia colocado no papel o prazo de uso do contêiner nem os valores aos quais a contratante do frete, uma exportadora de Santa Catarina, estaria sujeita se atrasasse a entrega.
“A autora até demonstra a data de retirada e embarque dos cofres de carga. Entretanto, como não se documentou o compromisso, não há como aquilatar a obrigação”, afirma o juiz na decisão (processo nº 1020207-39.2018.8.26.0562).
Essas questões de contrato são bastante discutíveis quando envolvem direito marítimo. Especialmente porque as empresas costumam se valer de uma regra centenária, prevista no Código Comercial, que prevê que se as informações não estiverem especificadas na carta de fretamento – ou bill of lading, como é conhecida no mercado – as empresas poderão se valer dos usos e costumes do porto.
A taxa de sobre-estadia é praticada no mundo todo. Tem dois nomes: “detention”, nos casos de exportação, ou seja, quando a contratante carrega o contêiner e envia as mercadorias para um outro porto; e “demurrage”, quando envolve operações de importação e, nessa hipótese, o prazo para o uso do contêiner conta-se da data de chegada no porto de destino até a retirada das mercadorias.
Os preços que são estabelecidos variam conforme a empresa contratada. Já o prazo para o uso do contêiner, sem a cobrança da taxa, geralmente é fixado em 21 dias. A partir daí, então, começa a correr período extra, com a incidência de tais valores.
No caso julgado pela Justiça de Santos, a Ecom Comércio, Importação e Exportação havia contrato o transporte das mercadorias do porto de Itajaí, em Santa Catarina, até o de Qingdao, na China. O atraso para a entrega do contêiner, segundo a Hapag-Lloyd afirma na ação de cobrança, teria ocorrido no momento do embarque. Ela tentava obter, na Justiça, cerca de US$ 80 mil em decorrência disso.
“Estamos falando de um preço que é unilateralmente fixado. São poucas as empresas que controlam esse segmento não só no Brasil, mas no mundo, e foram elas que estabeleceram esse entendimento de que a cobrança é baseada em usos e costumes”, diz o representante da exportadora no caso, Maiko Roberto Maiero, do Silva & Silva Advogados Associados.
Ele diz que é muito comum, na área portuária, que aconteçam greves e atrasos por conta das condições climáticas. “São questões que estão alheias à vontade do transportador e da empresa que contratou o serviço”, pondera. “Para que essa taxa tenha validade é preciso que se estabeleçam os critérios e quanto cada parte suporta desse risco.”
Se o entendimento do juiz de Santos for replicado a outros casos, acredita o advogado, poderá haver uma reorganização no mercado. As transportadoras não deixariam de cobrar a taxa, mas passariam a existir critérios bem definidos, o que, no seu entendimento, seria mais justo com quem contrata o frete.
Até agora, no entanto, a decisão do juiz Claudio Teixeira Villar, exigindo a especificação do prazo e dos valores da taxa em contrato, é uma das poucas no Judiciário nesse sentido. E como cabe recurso para a segunda instância, ainda pode ser revertida.
Especialista na área, Alexandre Wider, do escritório Siqueira Castro, acredita, com base na jurisprudência sobre esse assunto, que se a transportadora conseguir provar – seja por meio de testemunhas ou com outros contratos que demonstrem os prazos e valores praticados – há chances de a decisão da primeira instância não prevalecer. “Porque a taxa de sobre-estadia é um fato notório do comércio marítimo. É da praxe comercial”, contextualiza.
Os advogados que atuaram para a Hapag-Lloyd no caso foram procurados pelo Valor, mas não se manifestaram até o fechamento da edição.
Por Joice Bacelo | De São Paulo
Fonte : Valor
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