Por Rafael Santiago Costa
A responsabilidade pessoal de sócios e gerentes pelas dívidas tributárias da pessoa jurídica é uma das questões mais debatidas no direito tributário. Inúmeras discussões correlatas deságuam no Poder Judiciário e muitas teses já foram firmadas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como são exemplos as Súmulas nº 430 e nº 435, ambas de 2010.
Com a primeira se confirmou que o inadimplemento da obrigação tributária pela pessoa jurídica não configura, por si só, elemento suficiente a atrair a responsabilidade pessoal do sócio gerente prevista no artigo 135, III do Código Tributário Nacional (CTN). Na segunda súmula, o STJ definiu que se presume dissolvida irregularmente a empresa que deixe de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.
Ainda a título de exemplo, merece destaque o julgamento do recurso especial (REsp) nº 1.104.900 (1ª Seção; j. 25/03/09) – submetido ao rito dos recursos repetitivos -, no qual se definiu que quando o nome da pessoa física consta da certidão de dívida ativa, cabe a ela o ônus de provar não estarem presentes os requisitos do artigo 135 do CTN, afastando sua responsabilização pessoal.
Mais simples é evitar a dissolução irregular da empresa, que acaba atraindo a responsabilidade pessoal
Por outro lado, encontra-se em discussão na 1ª Seção do STJ se, nos casos em que constatada a dissolução irregular da pessoa jurídica, o termo inicial do prazo prescricional para o redirecionamento da execução aos sócios seria o momento em que verificada a dissolução irregular – ato tido como suficiente à responsabilização pessoal, conforme Súmula 435 – ou se seria a citação da pessoa jurídica. Esse último fato, em regra, ocorre em momento anterior, ainda que por meio de edital. A discussão se arrasta há anos no julgamento do REsp nº 1.201.993, contando com votos nos dois sentidos e estando o julgamento suspenso com vista ao ministro relator, sendo que cinco ministros da 1ª Seção ainda aguardam para proferir voto.
Contudo, nossa intenção não é contribuir com essa discussão específica, mas alertar para medida raramente utilizada por gestores de empresas com dívidas tributárias que não mais possuem condições de seguirem em atividade, mas que pode viabilizar, a um só tempo, a incidência da Súmula nº 430 e a não configuração da situação descrita na Súmula 435. De fato, os conteúdos dessas duas súmulas apresentam relação direta, indicando ser possível – e é isso que se verifica na maior parte dos casos – que o gestor não seja responsabilizado pela dívida tributária da empresa na ocasião de seu surgimento, mas venha a sê-lo em momento posterior, quando permite que a empresa simplesmente feche suas portas sem o cumprimento de qualquer formalidade.
Ou seja, a omissão do gestor que costuma ser causa principal de sua responsabilização pessoal por dívidas tributárias da empresa não se verifica no momento em que constatado o fato gerador ou o inadimplemento do crédito tributário decorrente. Surge em momento posterior, muitas vezes com a cobrança do crédito já em curso judicialmente.
Se nem sempre é possível evitar a omissão no recolhimento dos tributos devidos, mais simples nos parece ser evitar a dissolução irregular da empresa, que acaba atraindo a responsabilidade pessoal até então não configurada. Nesse ponto, destaque-se, novamente, que, enquanto a Súmula 430 impede que o mero inadimplemento da pessoa jurídica leve à responsabilização de seus gestores, a Súmula 435 fixa que isso se torna possível com a interrupção das atividades da empresa sem que os órgãos competentes sejam comunicados.
Diante desse cenário que a autofalência surge como instrumento de necessária análise e eventual utilização pelos gestores de empresas devedoras com atividades a serem encerradas. O instituto está previsto no artigo 105 da Lei nº 11.101/05, indicativo de que o devedor em crise financeira que não atenda aos requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer sua falência, expondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial.
Com efeito, o STJ tem considerado que a adoção dessa medida afasta a pecha de irregularidade do encerramento das atividades empresariais e, por conseguinte, a incidência da Súmula 435. Nesse sentido, citem-se dois precedentes: REsp nº 644.093 (2ª Turma; j. 13/09/2005) e AgRg no AgRg em REsp nº 192.771 (1ª Turma; j. 23/06/2015). Do voto condutor do primeiro se extrai a afirmação de que a “autofalência é faculdade estabelecida em lei em favor do comerciante impossibilitado de honrar seus compromissos, não se configurando hipótese de dissolução irregular”. A conclusão firmada no segundo julgado é ainda mais completa: “ocorreu a dissolução regular da empresa que se deu mediante o pedido de autofalência, e o mero inadimplemento da obrigação de pagar tributos não constitui infração legal capaz de ensejar a responsabilidade prevista no art. 135, III, do Código Tributário Nacional”.
Rafael Santiago Costa é advogado em Belo Horizonte, sócio da S. Santos Rodrigues Sociedade de Advogados
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Fonte : Valor
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