Que importar no Brasil é tarefa para os fortes de coração, todos sabem. A questão é que além de boa resistência emocional e cardíaca, os importadores e os profissionais de comércio exterior precisam conhecer muito bem as regras do jogo. Caso contrário, podem amargar com prejuízos de suas operações e pagamentos de tributos não devidos.
Um emaranhado de Leis, Decretos, Instruções Normativas e Portarias exigem das empresas e dos profissionais de comércio exterior atualização permanente e certa capacidade de análise questionadora constante, pois em épocas de apetite voraz do fisco por arrecadação de tributos, pagar o que se deve já é difícil, imagine quando se observa o pagamento de tributos não devidos, como é o caso do Imposto de Importação que, segundo o fisco, incide sobre o valor da capatazia ou do THC.
Sem entrar no mérito do que é o THC ou capatazia, para os que entendem que são sinônimos, o trabalho portuário está definido na Lei dos Portos (12.815/2013), artigo 40, inciso I estabelece que a capatazia é a “atividade de movimentação de mercadorias nas instalações dentro do porto, compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário”.
Assim sendo, a capatazia ocorre somente após a chegada do navio, já no porto alfandegado.
Por outro lado, o Acordo de Valoração Aduaneira estabelece que é faculdade de cada país criar uma lei para incluir ou excluir do valor aduaneiro, os gastos com movimentação e manuseio de carga incorridos até a chegada da mercadoria no porto do importador.
Deixando de lado as análises e debates sobre as normas e tratando apenas do aspecto prático, considerando os conceitos vigentes de capatazia e valor aduaneiro, todos expressamente definidos por normas legais vigentes, cumpre destacar quais valores podem compor a base de cálculo do imposto de importação.
Cabendo destacar que em matéria tributária, tendo por base o princípio da legalidade, pode-se afirmar que para que um tributo seja exigido, todos os seus aspectos devem estar previstos em Lei. No caso do Imposto de Importação, o Decreto 37/66, artigo 2º, Inciso II, determina que sua base de cálculo em regra será o valor aduaneiro.
O valor aduaneiro é composto, segundo o Regulamento Aduaneiro (artigo 77 e incisos) pelo valor das mercadorias, acrescido do transporte internacional até o porto, aeroporto ou ponto de fronteiras, incluindo os gastos de carga, descarga e manuseio associados ao transporte ATÉ a chegada.
Desta forma, verifica-se que tanto o Acordo de Valoração Aduaneira quanto o Regulamento Aduaneiro vigente, tratam das despesas ATÉ A CHEGADA no porto, aeroporto ou fronteira.
Entretanto, a IN RFB 327/2003, utilizada pelo fisco para apurar o valor do Imposto de Importação ampliou o alcance do Regulamento Aduaneiro e do acordo de valoração aduaneira incluindo no valor aduaneiro as despesas ocorridas após a chegada da carga. Veja que trata-se de uma sutileza entre as despesas até a chegada e após a chegada. E tal sutil diferença onera as importações sem que os empresários se deem conta.
A lei autorizou a inclusão no valor aduaneiro apenas dos gastos ou despesas incorridas até a chegada dos bens. Veja que o corte temporal é “até o porto”. Excluindo, por via de consequência, aquelas posteriores à chegada no porto.
Assim, sem que os importadores se dessem conta, o fisco vem exigindo há anos tributo sobre uma base maior que aquela autorizada por lei.
Tal excesso já foi objeto de julgamento pelo STJ – Superior Tribunal de Justiça no julgamento de junho/2015 (REsp 1.239.625/SC) do qual se destaca o entendimento de que “a Instrução Normativa 327/03 da SRF, ao permitir, em seu artigo 4º, § 3º, que se computem os gastos com descarga da mercadoria no território nacional, no valor aduaneiro, desrespeita os limites impostos pelo Acordo de Valoração Aduaneira e pelo Decreto 6.759/09 , tendo em vista que a realização de tais procedimentos de movimentação de mercadorias ocorre apenas após a chegada da embarcação, ou seja, após a sua chegada ao porto alfandegado”.
Assim, considerando que “o Direito não socorre aos que dormem”, para aqueles que recorrem ao Poder Judiciário questionando a ilegalidade da cobrança sobre o valor do THC ou da capatazia, tal valor é retirado do chamado valor aduaneiro, e, consequentemente, reduzindo o valor dos tributos incidentes no desembaraço das mercadorias.
Enquanto os importadores não buscam seus direitos, o fisco segue, se fazendo de desentendido, exigindo os tributos sobre base de cálculo majorada por meio Instrução Normativa, mesmo após a manifestação do Superior Tribunal de Justiça.
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