O uso do SAC é uma forma de resolução extrajudicial que diminui o custo das empresas com litígios
Por Laura Morganti
Com mais de três décadas de existência, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) luta para se adaptar à velocidade das constantes mudanças e inovações tecnológicas que transformaram as relações de consumo desde o advento da internet, surgida na mesma época. A pandemia provocada pela covid-19 evidenciou que essa evolução constante ainda está longe de acompanhar os desafios contemporâneos. E uma das necessidades mais urgentes de mudança normativa está no Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), cuja última grande regulamentação havia ocorrido em 2008, período anterior ao primeiro boom da internet e de novos hábitos de consumo virtuais que vieram para ficar.
A mobilidade da população para fora de suas casas ficou mais restrita. Com isso, a demanda de pedidos e serviços de entrega aumentou exponencialmente, assim como também a quantidade de conflitos e reclamações. Os problemas deixaram de ser tratados direta e presencialmente com os gerentes locais, obrigando as empresas a reinventar seus métodos de comunicação e relação com os clientes, que ficou muito mais complexa e burocrática.
Por essa razão, está para ser sancionado um novo decreto presidencial para fixar novas normas para o SAC, com uma série de evoluções e garantias importantes para o setor de prestação de serviços.
Entre as principais mudanças previstas está a garantia de que o serviço de atendimento ao consumidor seja sempre gratuito. Também foi mantida a obrigatoriedade do atendimento telefônico, que deverá ser disponibilizado pela empresa 24 horas por dia. A possibilidade de contato com atendentes humanos via telefone também se torna obrigatória, porém sem precisar ser full time. Em compensação as empresas passam a ter obrigação de divulgar os horários em que seus funcionários estarão à disposição do público.
O tratamento das informações prestadas pelo cliente deverá se alinhar à LGPD, a Lei Geral de Proteção de Dados, em aspectos como o consentimento para coleta das informações, anonimato, bloqueio, tratamento e eliminação de dados desnecessários. Além disso, o consumidor deve ter assegurado, a qualquer momento, o direito de eliminação de seus dados pessoais.
E fica regulamentado que o serviço seja voltado essencialmente para atendimento das demandas dos consumidores “tais quais informação, dúvida, solicitação de serviços, reclamação, contestação, suspensão ou cancelamento de contratos e de serviços”, e não um subterfúgio para a contratação de outros serviços ou produtos.
A nova minuta não deixa claro qual seria o período de manutenção do “registro histórico dos atendimentos”. Pela leitura sistemática do decreto, é razoável supor que o sistema deverá manter o registro por “um período mínimo de dois anos após a solução da demanda”.
Outra importante evolução em relação à normativa anterior é em relação às reclamações de cobranças indevidas. Atualmente, o consumidor pode alegar uma cobrança ilegítima, mas o fornecedor, a quem o ônus da prova incumbe, pode indicar o instrumento por meio do qual o serviço foi contratado e comprovar que o valor é efetivamente devido. No novo texto, se o consumidor reclamar que o serviço não foi solicitado ou que a cobrança é indevida, o fornecedor deve imediatamente suspender qualquer medida para cobrança, o que pode gerar um aumento do número de demandas de consumidores para suspender cobranças, mesmo que estas sejam legítimas.
Torna-se essencial também esclarecer a abrangência da determinação. O decreto se aplica somente a fornecedores regulados pelo Poder Público Federal (bancos, companhias aéreas, empresas de telefonia, fornecedores de plano de saúde e de transportes, tevês por assinatura, companhias de água e energia, entre outros).
Porém, um trecho da norma afeta organizações fora dessa esfera. Uma análise semestral, realizada por órgãos de proteção e defesa do consumidor, em especial, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), identificará as empresas mais reclamadas, independente da natureza. Estas, por sua vez, serão notificadas e deverão criar canais diretos de comunicação com os Procons locais na busca de soluções de conflitos. A Senacon ficará responsável por regulamentar a metodologia e as ferramentas de acompanhamento desses critérios.
Essas alterações tendem, em geral, a agilizar os processos de soluções de conflitos. Além de deixar claros os procedimentos para uma série de situações anteriormente não previstas, o decreto atende a novas realidades que antes não eram previstas, como o atendimento via robôs e o uso de chats, por exemplo. A nova minuta foi aprovada pelo Conselho Nacional do Direito do Consumidor (CNDC) e está sendo analisada Ministério da Justiça. Assim que for aprovada, segue para a sanção presidencial, devendo entrar em vigor 180 dias (cerca de seis meses) após a publicação no Diário Oficial.
Não se descarta que algumas dessas mudanças possam ser ainda modificadas ou vetadas. De qualquer maneira, a maioria deve ser mantida para garantir uma modernização do SAC. Importante lembrar que o uso do SAC é uma forma de resolução extrajudicial que diminui o custo das empresas com litígios que poderiam ser evitados e garante bom relacionamento entre fornecedor e consumidor. Um SAC de qualidade irá evitar que o consumidor faça uso de outras medidas administrativas ou mesmo judiciais para tentar resolver eventuais problemas.
Fonte: Valor
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