Os juízes ganharam rapidez para determinar o bloqueio da carteira nacional de habilitação (CNH) de devedor. O sistema eletrônico de restrição judicial de veículos, o Renajud, foi integrado ao processo judicial eletrônico e passou a prever essa possibilidade. Até então, os pedidos tinham que ser feitos por meio de ofícios em papel ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).
A novidade faz parte de acordo de cooperação técnica para o aprimoramento do Renajud firmado entre o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Ministério da Infraestrutura e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Além dessa medida, será possível ainda aos juízes, por meio do sistema, indicar veículos a leilão e determinar a desvinculação de débitos (IPVA, multas e taxas), assegurando a rápida transferência dos bens ao novos proprietários.
Prevista para janeiro, a novidade vai proporcionar maior efetividade às execuções, segundo advogados. O veículo poderá ser vendido sem nenhuma pendência. Havia uma forte resistência à medida por medo de perda da garantia, explica o diretor-geral do Denatran, Frederico de Moura Carneiro.
“Tudo [os débitos] estará atrelado ao CPF ou CNPJ do devedor. O veículo terá uma identidade nova. A medida reduzirá o número de veículos em pátios pelo país afora”, diz Carneiro. Ele acrescenta que está em estudo a criação de um novo código — por não haver possibilidade de alteração no Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam) — para deixar o veículo “sem passado”.
Hoje, segundo Ana Paula de Carvalho Faro, assessora jurídica da Faro Leilões, um veículo é levado a leilão com esses débitos e, em certas situações, só depois da venda é solicitada ao juiz a desvinculação. “Essa medida vai viabilizar e muito a compra de veículo em leilão”, afirma ela, acrescentando que existe, porém, um gargalo no sistema, referente a mais de uma restrição sobre um mesmo bem.
Até então, o sistema só possibilitava a efetivação de ordens judiciais de restrição de veículos. Com a inclusão das carteiras de habilitação no Renajud, fecha-se ainda mais o cerco aos devedores. A medida, porém, é polêmica e está para ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Os ministros julgarão a constitucionalidade do artigo 139, inciso IV, do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 2015). Pelo dispositivo, o magistrado pode “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.
Na ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5941), o Partido dos Trabalhadores pede que sejam declaradas inconstitucionais medidas que poderiam ser enquadradas no dispositivo — bloqueio de carteira nacional de habilitação e de passaporte e a proibição de participação em concurso e em licitação pública.
O processo foi colocado na pauta do STF do dia 28 de outubro, mas não foi julgado. Em sua manifestação, a Procuradoria-Geral da República (PGR) opinou pela procedência do pedido. Defende o texto do CPC. Porém, excluídas as medidas “que importem em restrição às liberdades individuais”, como a apreensão de CNH e de passaporte.
Além do bloqueio, o sistema Renajud possibilita aos magistrados a suspensão ou mesmo cassação de carteiras de habilitação. Essas penalidades estão previstas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
O bloqueio, segundo o diretor-geral do Denatran, é uma medida judicial. Pode ser determinada em caso de fraude ou para forçar uma pessoa a pagar o que deve, sem um prazo específico para liberação do documento. “Uma decisão do STF não inviabilizaria a ferramenta”, diz Frederico Carneiro.
O Denatran não tem dados sobre determinações judiciais para bloqueio de carteiras de habilitação. Apenas das outras modalidades. Em 2019, foram aplicadas 794 mil penas de suspensão do direito de dirigir e cerca de 86 mil de cassação.
Para o advogado Ricardo Siqueira, a medida prevista para o leilão de veículos é positiva, “uma das melhores alterações já realizadas, por fazer com que diversos veículos sejam alienados e voltem a circular”. Porém, critica a possibilidade de bloqueio de carteiras de habilitação. “Não se pode para efeito de saldar uma dívida gerar um constrangimento ilegal, ferir o direito de ir e vir”, diz.
O advogado Eduardo Kiralyhegy, sócio do NMK Advogados, afirma que o Renajud, até então, era limitado e servia basicamente para segurar os bens de um devedor. “Começa-se a transformar o sistema em uma ferramenta mais útil. O juiz poderá não só bloquear o veículo, mas também viabilizar o leilão de uma forma mais simples”, diz. “Dá mais liquidez ao leilão.”
Sobre o bloqueio de CNH de devedor, o advogado destaca que o sistema está sendo construído com base no que a lei autoriza. “Tem que nascer de forma ampla”, afirma, acrescentando que a medida tem um efeito parecido ao protesto para o motorista que depende do documento para trabalhar.
O Supremo ainda não tratou sobre o bloqueio da CNH de devedor, mas já considerou constitucional a imposição da pena de suspensão da habilitação a motoristas profissionais que tenham sido condenados por homicídio culposo (sem intenção de matar) em razão de acidente de trânsito.
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