Procurador Péricles de Sousa: nas discussões sobre IPI, não há dúvidas de que se trata de matéria constitucional
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deve decidir na quarta-feira sobre uma prática que tem sido usada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para tentar reverter o resultado de processos já encerrados e com decisão favorável aos contribuintes. Tratam-se das chamadas ações rescisórias.
O julgamento, na 1ª Seção, envolve contribuição devida ao Incra (AR 4443). Mas servirá de precedente para outras discussões. Poderá afetar, por exemplo, as cerca de 40 ações rescisórias apresentadas contra empresas que obtiveram na Justiça a dispensa do recolhimento de IPI na revenda de importados.
O que será discutido pelos ministros é a possibilidade de apresentação de ação rescisória para desconstituir uma decisão já transitada em julgado em decorrência de mudança de jurisprudência. A questão foi parar no STJ em razão de uma súmula do Supremo Tribunal Federal (STF), a 343. O texto diz que não cabe rescisória quando a decisão que se pretende modificar estiver baseada em uma lei com interpretações divergentes nos tribunais.
Existem duas correntes diferentes de compreensão dessa súmula. Em uma delas entende-se que fica vedada a ação rescisória nos casos em que há mudança de jurisprudência – como os que foram propostos pela PGFN. Para a outra, porém, a súmula não poderia ser aplicada quando a alteração do entendimento envolve matéria constitucional.
Nas discussões sobre o IPI, diz Péricles de Sousa, procurador da PGFN, não há dúvidas de que se trata de matéria constitucional porque o STF já se manifestou sobre a questão. A proposição das ações rescisórias, ele acrescenta, deve-se à “particularidade” da situação.
Havia entendimento consolidado no STJ pela incidência do imposto no desembaraço aduaneiro, quando o importador recebe o produto que foi fabricado fora do país, e também no momento em que ele revende para o mercado brasileiro – formato defendido pela Fazenda.
Em julgamento da 1ª Seção em maio de 2014, porém, houve uma mudança de posição. Os ministros decidiram que havia IPI somente na etapa do desembaraço aduaneiro. Só que esse entendimento durou somente até dezembro de 2015, quando a mesma 1ª Seção voltou atrás e, em caráter repetitivo, decidiu pela tributação nas duas etapas.
O que a Fazenda tem buscado é a reversão dos processos que tiveram o trânsito em julgado nesse intervalo de um ano e meio. A argumentação aos ministros é de que as decisões proferidas em favor de alguns contribuintes – antes do repetitivo – têm potencial para provocar um desequilíbrio no mercado.
A PGFN tem um aliado “de peso” nessa disputa. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que já havia participado do julgamento em repetitivo, figura como parte interessada (amicus curiae) em algumas dessas ações rescisórias. É uma das raras vezes em que se vê a entidade do lado da Fazenda.
“O motivo é muito simples”, diz Helcio Honda, diretor jurídico da entidade. “Se o importador não pagar o IPI na saída, os produtos importados vão ficar mais baratos do que os fabricados no Brasil. Seria mais fácil então fechar as fábricas daqui e só trazer mercadoria de fora, mas isso acabaria com o país”, enfatiza.
No julgamento de 2015, a Fiesp informou que o produto importado ficaria 4% em média mais barato que o mesmo produto feito no Brasil, se os importadores fossem dispensados de recolher o IPI em uma das etapas. Eram estimadas perdas de R$ 20 bilhões em vendas da indústria nacional. O STF ainda deve se manifestar sobre o assunto (RE 946648).
As cerca de 40 ações rescisórias propostas pela Fazenda ainda não têm decisão de mérito. Mas há pelo menos uma liminar, proferida pelo ministro Francisco Falcão. Ele determinou a suspensão do benefício obtido por meio de decisão judicial pela Platinun Trading, uma das maiores distribuidoras de autopeças do país (AR 5971).
“A manutenção da coisa julgada formal e material decorrente da decisão rescindenda viola postulados fundamentais da Constituição Federal, especialmente o da livre concorrência”, afirmou o ministro.
Representante da empresa nesse caso, o advogado Ivo Lima, sócio do Ivo Barboza & Advogados Associados, diz que atua para outras companhias também alvo das rescisórias e que em nenhum dos casos foi deferida liminar. Ele considera a argumentação da Fazenda, sobre o impacto à concorrência, como “falaciosa”.
“Esse argumento só seria verdadeiro se a PGFN tivesse apresentado rescisória para 100% dos casos”, diz o advogado. Segundo ele, há casos em que o órgão não conseguiu ingressar com ação porque já haviam se passado mais de dois anos do trânsito em julgado – tempo limite para a apresentação.
Especialistas em tributação, os advogados Luca Salvoni e Rafael Vega, do escritório Cascione, Pulino, Boulos & Santos, entendem tratar-se de um tema delicado. Do ponto de vista do contribuinte, dizem, pode gerar muita insegurança jurídica. “Um posicionamento favorável [permitindo as rescisórias] vai fazer com que as empresas nunca consigam saber se o direito obtido é definitivo”, pondera Rafael Vega.
O advogado Daniel Szelbracikowski, da advocacia Dias de Souza, atua em favor da empresa que é parte na AR 4443 – prevista para ser julgada na quarta-feira. Esse instrumento, ele sustenta, só pode ser usado em casos “excepcionalíssimos”. “A coisa julgada material está prevista na Constituição, no rol dos direitos e garantias individuais”, enfatiza. “Se a decisão não foi absurda, completamente fora do que poderia ser, não cabe a rescisória.”
Szelbracikowski pondera que no caso em que atua, a decisão em favor do contribuinte foi proferida no ano de 2005, quando havia jurisprudência pacificada naquele sentido, e que a mudança de entendimento no Judiciário ocorreu somente em 2008. A discussão envolve a cobrança de 0,2% sobre a folha de salários das empresas ao Incra.
Por Joice Bacelo | De Brasília
Fonte : Valor
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