Por Joice Bacelo e Beatriz Olivon
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem hoje um dos menores acervos de processos desde a Constituição de 1988. Fechou o semestre com 35,8 mil ações – três mil a menos do que havia em 2018. O resultado alcançado pode ser atribuído às mudanças que vêm sendo adotadas pelo presidente, o ministro Dias Toffoli. Ele tenta impor à Corte o ritmo quase industrial já estabelecido em seu gabinete, que é capaz de analisar entre 800 e mil processos por mês.
Corte prioriza julgamento de temas tratados em repetitivos Toffoli é visto pelos colegas como um apaixonado por números. Ele encomendou o primeiro estudo sobre o tribunal ainda no período de transição do cargo, que assumiu em setembro de 2018. E, com as estatísticas em mãos, percebeu o primeiro entrave: mais de 30% de todos os processos que chegam ao STF são agravos em recurso extraordinário (AREs), ações em que o tribunal regional ou estadual nega o seguimento do processo e a parte recorre.
Essa etapa não discute mérito. Trata somente sobre a admissibilidade do recurso – se será ou não julgado pelos ministros do STF. Os dados mostraram que mais de 99% das decisões eram por manter o que já havia sido decidido na instância inferior.
“Ou seja, o Supremo estava dedicando grande parte da sua força de trabalho e dos seus recursos humanos e tecnológicos para processos que não deveriam chegar à Corte”, afirma Daiane Nogueira de Lira, secretária-geral da presidência do STF. Ela diz isso porque hoje, enquanto os agravos representam um volume de 37,9% do estoque de processos, os recursos extraordinários (REs), em que se discute o mérito propriamente dito, somam 18,4%.
Foi criado, então, um núcleo específico para a análise desses agravos – que fica dentro da presidência – e, paralelamente, iniciado um processo de valorização dos tribunais regionais e estaduais, para mostrar que eles também têm o poder de dar a palavra final.
Especialmente depois que o novo Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 2016, explicitou as hipóteses em que isso pode ser feito. O artigo 1.030 apresenta uma lista de situações. São casos, por exemplo, de questões em que o Supremo já se manifestou pela inexistência de repercussão geral ou temas já decididos pelos ministros.
Dias Toffoli visitou, no primeiro semestre, dez Estados. A equipe que o acompanha faz um mapeamento de quais processos estão sendo remetidos ao Supremo por aquele tribunal e, em reuniões técnicas, mostra os dados e passa as orientações.
“Existe uma parceria do Supremo com o CNJ [Conselho Nacional de Justiça] e o STJ [Superior Tribunal de Justiça] para ministrar cursos voltados para o juízo de admissibilidade. Geralmente é feito com a vice-presidência dos tribunais, que costuma ser o órgão responsável pelo encaminhamento dos processos”, detalha Lucilene Rodrigues Santos, assessora chefe do Núcleo de Análise de Recursos.
O Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), por exemplo, recebeu a visita no mês de maio. Havia sido identificado pela equipe de Toffoli um grande número de recursos remetidos pelos juizados especiais que poderiam ter se encerrado lá mesmo. Antes da visita, de janeiro a maio, foram encaminhados 680 processos desse tipo. Depois, entre e maio e junho, esse número se reduziu para oito.
Dentro da presidência, o núcleo de análise faz um esforço para que esse tipo de processo não chegue aos gabinetes dos ministros. Hoje, 70% dos agravos remetidos ao Supremo ficam concentrados lá – os 30% restantes ainda seguem da secretaria-geral, que é quem recebe todos os processos do tribunal e faz o primeiro filtro, para os gabinetes. A meta, porém, é atingir os 100% até o fim da gestão, em setembro do ano que vem.
A presidência criou também um outro núcleo voltado especificamente para a repercussão geral – quando a decisão proferida para um caso tem de ser replicada aos idênticos em tramitação no Judiciário. Aqui também houve uma aposta grande no diálogo com as instâncias inferiores.
Esse núcleo vem incentivando os tribunais regionais e estaduais a indicarem para o STF os temas que poderiam ser afetados. Trata-se, na linguagem jurídica, dos representativos de controvérsia. O tribunal indica e, com isso, todos os outros semelhantes ficam aguardando a decisão, se haverá ou não repercussão geral ao caso, o que evita que uma enxurrada de ações idênticas suba ao mesmo tempo.
O representativo de controvérsia, ao chegar no STF, passa pela análise do núcleo que fica dentro da presidência e, depois, o presidente leva à votação do Plenário Virtual, o que evita que os processos sejam encaminhados diretamente para os gabinetes dos ministros e pesem no volume de trabalho que eles já têm.
Isso aconteceu recentemente com um recurso que foi indicado pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 1a Região, que julga os casos do Distrito Federal e de outros 13 Estados. Envolvia a competência da União para cobrar tributos sobre imóveis situados em ilhas costeiras ou oceânicas que contém sedes de municípios (RE 1183025).
Esse recurso chegou ao STF em dezembro do ano passado e no mês de abril já havia decisão do Plenário Virtual, unânime, entendendo que não tratava de matéria constitucional. O objetivo de “tudo isso”, diz Daiane Nogueira de Lira, é que os gabinetes e os ministros consigam se dedicar aos temas mais complexos e mais relevantes.
Uma terceira frente, para acelerar os julgamentos e reduzir o acervo, foi a ampliação dos julgamentos no Plenário Virtual. Uma proposta de mudança ao regimento interno do STF feita pelo presidente Dias Toffoli foi aprovada pelos ministros e publicada no mês passado.
O virtual, que antes ficava mais restrito ao julgamento de embargos e temas repetidos, passou a abarcar também as questões de mérito. Pretende-se com isso, segundo a equipe de Toffoli, que haja uma redução no volume da pauta presencial para que se consiga valorizar os processos que ainda não têm jurisprudência ou os mais controvertidos e que demandem discussões complexas.
“Parece-me ser a solução possível para julgar a quantidade que o STF julga”, afirma o advogado Saul Tourinho Leal, do Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia. Diante de um acervo de mais de 30 mil ações, é preciso “usar a imaginação”, segundo o advogado, desde que isso não leve a surpresas para as partes.
O julgamento virtual não altera a relação do advogado com o Supremo, acrescenta Tourinho Leal. Ainda é possível despachar com os ministros e apresentar memoriais.
Carlos Ari Sundfeld, professor na FGV Direito-SP, diz que o STF está em movimento constante para se tornar um tribunal com número razoável de processos a serem julgados desde a Reforma do Judiciário (EC 45, de 2004). E, nos últimos tempos, há preocupação maior em gerir o estoque. “Os advogados, claro, reclamam, mas da perspectiva do direito de defesa o importante são os critérios do Supremo serem uniformes. E a Corte está em um esforço de tornar tudo mais claro.”
Fonte: Valor
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