Um novo entendimento do STJ sobre a exportação de serviços

Por Murilo Galeote e Roberta Callijão Boareto

Sempre que o tema é a caracterização da exportação de serviços e a interpretação do parágrafo único[1], do artigo 2º da Lei Complementar 116/2003, o famoso e repetido “caso das turbinas”, examinado pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 831.124/RJ, de relatoria do ministro José Delgado, é citado. A questão de fundo envolvia empresa brasileira que fora contratada para a prestação de serviços de conserto e retífica de turbinas de avião remetidas do exterior. Após as medidas de reparo e os devidos testes no Brasil, as peças eram devolvidas ao local de origem para futura acoplagem nas aeronaves pelos respectivos tomadores.

Naquele caso, julgado em 15/8/2006, portanto há mais de dez anos, a 1ª Turma do STJ, vencido apenas o atual ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, acabou por aderir à corrente doutrinária que examina a expressão “resultado”, contida na legislação complementar, no sentido de conclusão do serviço. Em outras palavras, para tal corrente, caso concluída a prestação de serviços em território nacional, restaria descaracterizada a exportação[2].

De forma elucidativa, cite-se pequeno trecho do voto então proferido:

Portanto, o trabalho desenvolvido não configura exportação de serviço, pois o objetivo da contratação, ou seja, o seu resultado, que é o efetivo conserto do equipamento, é totalmente concluído no território brasileiro. Não há configuração de hipótese em que a atividade é executada no exterior, sendo inquestionável a incidência do ISS no presente caso.

Pela “teoria da conclusão”, nota-se, portanto, que somente haveria exportação de serviços se a atividade (prestar serviço) fosse executada no exterior.

Divergindo daquele entendimento, o voto vencido apresentado pelo ministro Teori Zavascki, firme na premissa de que resultado deve ser interpretado como fruição, afirmou que o “serviço é concluído no País, mas o resultado é verificado no exterior, após a turbina ser instalada no avião”, entendendo assim que a atividade deveria enquadra-se na regra isentiva.

Por dez anos, a doutrina, o Fisco e os contribuintes se digladiaram na briga entre a adoção das teorias da conclusão ou fruição.

Agora, em 18 de outubro, a mesma 1ª Turma, examinando ação de repetição de indébito, ao julgar o Agravo em Recurso Especial 587.403/RS, relatado pelo ministro Gurgel de Faria, parece não apenas ter invertido o entendimento então fixado, como também, acertadamente, proposto um novo prisma de exame para a questão.

No caso específico, o contribuinte foi contratado com o escopo de desenvolver projeto de engenharia para a elaboração de “muro cilíndrico de proteção do reservatório de gás liquefeito de petróleo naval TK1, a ser construído na cidade de Gonfreville – Lorcert, França”[3] — item 7.03[4] da lista anexa à Lei Complementar 116/2003.

É importante frisar que em nenhum momento se debateu a execução da obra de engenharia em si, a qual se daria futuramente, não se relacionando com o fato gerador remetido ao crivo do Poder Judiciário.

É certo que, aplicando-se o entendimento até então vigente, a decisão esperada seria no sentido de afastar a isenção, firmando-se, no caso, por improcedente o pedido de repetição de indébito, uma vez que o projeto foi todo elaborado e concluído no Brasil.

Contudo, a colenda corte de Justiça houve por bem rever seu entendimento para firmar a premissa de que, em que pese o serviço tenha sido concluído integralmente em território nacional, o projeto de engenharia foi contratado com o propósito de ser, futuramente, executado no exterior. Eis os termos do voto:

Nessa linha, o serviço de elaboração de projetos de engenharia poderá ser enquadrado na hipótese de não incidência do inciso I do art. 2º da LC n.° 116/2003 quando a realização do trabalho, obrigatoriamente, observar técnicas, regras e normas estabelecidas no País estrangeiro, independentemente da forma de execução do projeto. É que, nesse caso, embora o projeto tenha sido finalizado em território nacional, não se tem dúvidas de que o contratante estrangeiro está interessado especificamente, na importação do serviço a ser prestado pela pessoa brasileira para, posteriormente, executá-lo.

Em arremate, concluiu o Superior Tribunal de Justiça que, no caso específico de projetos de engenharia, poderá restar configurada a exportação de serviços quando, do seu teor, bem como dos termos do ato negocial (exame dos contratos e invoices), for possível extrair a intenção de sua execução em território estrangeiro.

Dir-se-á, até com muita razão, que o Superior Tribunal de Justiça pautou seu novo entendimento na chamada “teoria da fruição”, contudo, também é muito razoável dizer que o foco para exame da exportação de serviços mudou.

Nessa linha, recentemente, a Secretaria Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico do Município de São Paulo, em parceria inédita com o Conselho Municipal de Tributos, editou o Parecer Normativo 04/2016[5] por meio do qual pretende-se conceituar a expressão “resultado” tomando como parâmetro exatamente a localização espacial do objeto da contratação, tal como aparentemente proposto pelo Superior Tribunal de Justiça. Eis os termos da norma municipal:

Art. 1º O serviço prestado por estabelecimento prestador localizado no Município de São Paulo considerar-se-á exportado quando a pessoa, o elemento material, imaterial ou o interesse econômico sobre o qual recaia a prestação estiver localizado no exterior[6].

Note-se que o estudo do objeto (objetivo) da contratação é essencial para a verificação casuística da exportação de serviços. Trata-se de critério menos “sofisticado”, mas sem dúvida muito mais eficiente e objetivo para solucionar a interpretação de preceito legal tão truncado, como é o caso do parágrafo único, do artigo 2º da Lei Complementar 116/2003. Trata-se, é certo, de posicionamento que permitirá muito mais segurança jurídica ao contribuinte.

É certo que o Superior Tribunal de Justiça, com seu novo entendimento, ao dar ênfase ao propósito negocial e ao objeto da contratação, dá novos contornos ao estudo da exportação de serviços. Muitos debates e estudos virão, espera-se apenas que não tenhamos mais dez anos de confusão. Fica inaugurado o “caso do projeto de engenharia”!


[1] Art. 2º. O imposto não incide sobre: I – as exportações de serviços para o exterior do País; (…) Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.
[2] Eis os trechos relevantes do julgado – RE 831.124: (…) Inicia, desenvolve e conclui a prestação do serviço dentro do território nacional, exatamente em Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro, e somente depois de testados, envia-os de volta aos clientes, que procedem à sua instalação nas aeronaves. (…) Na acepção semântica, ‘resultado’, é consequência, efeito, seguimento. Assim, para que haja efetiva exportação do serviço desenvolvido no Brasil, ele não poderá aqui ter consequências ou produzir efeitos. A contrário senso, os efeitos decorrentes dos serviços exportados devem-se produzir em qualquer outro país. (…) O trabalho desenvolvido pela recorrente não configura exportação de serviços, pois o objetivo da contratação, o resultado, que é o efetivo conserto do equipamento, é totalmente concluído no nosso território.
[3] Trecho do voto proferido.
[4] 7.03 – Elaboração de planos diretores, estudos de viabilidade, estudos organizacionais e outros, relacionados com obras e serviços de engenharia; elaboração de anteprojetos, projetos básicos e projetos executivos para trabalhos de engenharia.
[5] Veja o inteiro teor do Parecer Normativo SF 04/2016: http://s.conjur.com.br/dl/parecer-normativo-exportacao-servicos.pdf.
[6] Para saber mais: http://www.conjur.com.br/2016-nov-21/fisco-paulistano-muda-entendimento-exportacao-servico.

Fonte: ConJur

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